Saudações!! Esse post é o primogênito desse espaço. Trata-se de uma tentativa de resposta ao texto “Deus não existe... existe?” do meu amigo Aton Gondim, publicado em seu excelente blog,
“Pensar te torna Socialmente Perigoso”.
Peço paciência ao amigo Gondim se essas mal traçadas se estenderem para além do limite da paciência e da conveniência. Acontece que a escala da discordância é tal que preciso partir dos rudimentos filosóficos do que estamos tratando, para só então adentrar os temas mais de superfície, a questão dos mitos, religião, etc.
Em um primeiro momento, gostaria de deixar claro (e isso pode levar alguns posts) as razões pelas quais acho mais intelectualmente defensável as seguinte
s posições filosóficas:
O universo não pode prescindir de uma causa eficiente e necessária.
Essa causa não pode se confundir com o próprio universo.
Essa causa é pessoal.
Partindo “do princípio”, gostaria de tentar responder às questões que imagino mais elementares dessa discussão. O universo teve uma causa? A manifestação cósmica sempre esteve aí ou teve um princípio absoluto? Se teve um princípio, teve uma causa externa ou foi auto-manifesta?? Se teve uma causa necessária, quais os atributos necessários dela??
O universo teve uma causa??
Para início de conversa, lanço mão do famoso argumento cosmológico de Kalam. Como todo silogismo real, ele é dotado de profundidades insuspeitas. Os desavisados tendem a olhar para essas sínteses lógico-analíticas como algo pueril, simplista. Na realidade, o silogismo real é uma construção extremamente sólida que merece observação cuidadosa. Senão, vejamos:
Argumento de Kalam
1- Tudo que tem um início tem uma causa.
2- O universo começou a existir.
3- Portanto, o universo tem um causa.
PREMISSA 1:
1- Tudo que tem um início tem uma causa.
Trata-se de um exemplo típico de verdade intuitiva, auto-evidente. Todo o discurso humano e a própria engrenagem do pensamento só pode entrar em movi
mento partindo dessas verdades fundamentais que Aristóteles chamava de evidências. O próprio discurso lógico nada mais é do que, por meio de um encadeamento rígido, atribuir a uma verdade não evidente e complexa a credibilidade e força de uma verdade fundamental, simples e auto-evidente.
Uma das coisas mais rísiveis de se ouvir de uma materialista de primeira viagem são afirmações do tipo “só acredito em verdades cientificamente provadas”. Mas como é possível??? Uma pessoa que me sai com uma dessas, não tem a menor noção do conceito de prova.
Ora, existem dois tipos de verdades assumidas, as auto-evidentes a as provadas. As auto-evidentes, por definição, não precisam de prova. Proposições do t
ipo “eu existo” independem de prova.
Outras alegações, a maior parte delas, por serem por demais complexas, não são auto-evidentes, portanto, demandam prova. O processo de prova científica nada mais é do que criar uma ponte lógica entre uma “proposição complexa a ser provada” e uma “verdade simples auto-evidente”. Se eu consigo ligar esses dois pólos, encadeá-los em uma estrutura lógica irremediável, a credibilidade da premissa auto-evidente transfere-se àquilo que eu quero provar. Tenho então o famoso fenômeno da prova! Não é difícil concluir que toda verdade provada, em última instância, repousa necessariamente em uma ve
rdade mais simples assumida e não provada.
Nosso materialista hipotético dá com os burros n´água.
Pois bem, nossa premissa I é uma dessas verdades fundamentais auto-evidentes.
Veja, temos apenas duas opções: aceitar a premissa I ou o seu oposto, sua negação. E sua negação, convenhamos, é absolutamente anti-intuitiva. Se eu postulo uma ideia absolutamente anti-intuitiva e que representa uma quebra grave e excepcional na estrutura conhecida das coisas, estou diante de um problema sério. Não sendo auto-evidente, é preciso prová-lo.
E uma afirmação dessa natureza (“é possível que algo exista sem ser causado”) foge completamente ao escopo de prova científica. Usando mal o velho Popper, não é algo verificável.
Portanto, salvo tenha vc mais fé do que a Madre Teresa, é preciso aceitar a premissa I. É a única hipótese racionalmente defensável. Dentro da realidade cósmica que conhecemos, não é possível que algo exista sem que tenha sido causado.
Guiados pelas mãos firmes da razão humana, passemos a premissa II.
PREMISSA II
2- O universo começou a existir.
2.1 Causa-me espanto real o fato de que bons amigos ateus, arrogando-se paladinos da razão, tenham algum dia defendido a hipótese do universo eterno. Essa hipótese pode ser tudo, menos racional. Ao contrário, ela é um paradoxo lógico puro e simples.
Como se não bastasse o fato de ser uma hipótese filosófica impossível, a Astrofísica e a Astronomia modernas apontam justamente para o contrário. O
famigerado Big Bang é um indicativo do princípio necessário da realidade temporal. Não quero aprofundar esse ponto pq sei que existem algumas correntes alternativas, mesmo que de aceitação minoritária. A própria hipótese dos multiversos não resolve, apenas adia e multiplica o problema filosófico em si, IHMO.
Mais interessante é, por exemplo, a comprovação dos comsologistas Arind Borde e Alan Guth de que qualquer universo que esteja em expansão não pode ser eterno no passado.
Todos esses indicativos de ordem científica são sim importantes por reforçarem a validade da nossa premissa II, já concebida intuitivamente. Não obstante, para mim esses não são nem os argumentos mais fortes. Acontece que a hipótese do universo sem princípio é auto-refutável. Ora, a hipótese pressupõe um número infinito real de eventos passados.
Caímos invariavelmente nos labirintos mentais próprios dos paradoxos: Como diz o Lane Craig, como poderia o evento presente ter alguma vez chegado se um número infinito de eventos anteriores devem ter transcorrido?? A lógica não fecha, pelo menos em um sistema temporal como conhecemos.
2.2 Infinito real X infinito potencial
Tecnicamente falando, o absurdo do universo eterno baseia-se na absoluta impossibilidade da existência de um número infinito real de coisas.
Infinito POTENCIAL é uma coleção indeterminada que cresce em direção ao infinito mas nunca chega lá. Tal coleção, digamos, cresce indefinidamente em direção ao infinito.
É perfeitamente possível e concebível.
O infinito REAL é uma coleção em que o número de membros é, de fato, infinito. Ela não cresce em direção ao infinito. Trata-se de um conjunto fechado, com um número realmente infinito de elementos. Essa segunda espécie de infinito é simplesmente inviável, não pode existir.
O melhor exemplo que conheço para ilustrar a inviabilidade do chamado infinito real é o famoso “hotel de Hilbert”, do grandíssimo matemático alemão. Acreditar na viabilidade de um universo eterno, sem começo, é como acreditar na viabililidade do maluquíssimo Hotel de Hilbert.
Primeiro, pensemos em um hotel comum e ordinário com um número FINITO de quartos, todos ocupados. Se chega um novo cliente, o gerente se desculpa: “Oh, todos os quartos estão ocupados”. E o cliente tem de ir embora.
Agora, imaginemos o hospício... ops, o maravilhoso Hotel de Hilbert, com um número INFINITO de quartos, todos ocupados. Se chega um novo cliente, simples, basta que o gerente faça um rearranjo. Ele transfere o hóspede do quarto 1 ao quarto 2, o hóspede do quarto 2 ao quarto 3, o do 3 ao 4, e assim po diante, infinitamente. O novo hospede agora pode desfrutar do quarto 1 mesmo que todos os quartos do conjunto já estivessem ocupados anteriormente!!
E piora:
Suponhamos que um número infinito de hóspedes chegue à divertidíssima e lotada Espelunca do Hilbert. Simples!!! O gerente tem uma ideia genial: move o hospede do 1, para o quarto 2, move o do quarto 2 para o quarto 4, o do 3 para o 6, o do 4 para o 8, e assim por diante.
Como todo número multiplicado por dois dá um número par, o gerente consegue assim colocar todos os clientes já hospedados em quartos pares, ficando vagos em um passe de mágica infinitos quartos ímpares. Bom para o número infinito de novos hóspedes que aguardam na recepção.
Poderíamos repetir essa operação infnitas vezes... o número de hospédes permaceria sempre o mesmo.
Poderia ficar aqui brincando com as mais malucas e insólitas consequências de um hotel como esse. Uma hipótese como essa pode até ser descrita imaginariamente, idealmente, mas não pode absolutamente existir de fato. A existência fática de um conjunto infinito real é simplesmente impossível.
E, assim como um número infinto de quartos, um número infinito de eventos passados é uma triste impossibilidade. Portanto, o universo necessariamente começou a existir.
CONCLUSÃO
4- Portanto, o universo tem um causa.
Como todo bom silogismo, às premissas I e II segue-se irremediavelmente a conclusão necessária, “o universo tem um causa”.
Essa cadeia silogística dura de Kalam, meus caros, é muito difícil de quebrar.
Daniel Denett, nosso ateísta “muderninho” de plantão, não podendo opôr objeção filosófica válida, concorda com a necessidade lógica de uma causa para o universo. Mas, emenda, “a causa do universo é ele mesmo”.
Ora, essa afirmação é simplesmente pueril. Para ser causa de si mesmo, o universo precisaria preexistir a si mesmo, precisaria existir antes de existir (?)... ou algo do tipo. Não é só falaciosa e autocontraditória, a saída antimetafíca meio desesperada do Denett é simplesmente boba. No próximo post trataremos mais detidamente sobre esse tema.
Bom, isso nos leva ao próximo passo do argumento: Quais seriam os atributos necessários da causa primeira? Até a próxima e aguardo os comentários.